Se livrar do amor

Dói.

Eu tava na fila do caixa pagando pela garrafa de whisky quando a ficha caiu. Não lembro de pessoas celebrando alguma coisa com whisky – a não ser os gângsters do velho oeste depois de um roubo a banco bem-sucedido. Nunca vi um casal tomando whisky. Não quero entrar nas discussões de gênero, mas preciso frisar que não lembro da imagem de uma mulher tomando whisky – parece que conseguiram mesmo associar a imagem dessa bebida com o homem solitário, ouvindo um blues antigo, sentado na sua poltrona sem fazer nada além de remoer seus sentimentos.

Tipo o Wolverine.

O lance é que você está lá, dedicando seu coração pra sabe-se-lá quem, mas um dia você precisa se livrar dessa entrega. Precisa literalmente “entregar”, deixar pra lá e partir. Você não sabe quando esse dia vai chegar, não sabe como vai ser, mas sabe que uma hora ou outra você vai ter que se livrar do amor.

Tava trocando ideia com o taxista. “Nunca me livrei do amor”, ele estufa o peito enquanto liga a seta pra direita. Duas marchas depois ele explica que antes do seu atual casamento, já há vinte anos do lado da sua amada esposa, foi casado antes mas teve que se separar e teve algumas namoradinhas. “Clichê”, pensei, enquanto voava na minha mente um monte de diálogos iguais a esse que iria se desenrolar. Cruzamento, ele dá uma meia parada e com isso o silêncio. “É, acho que já tive que me livrar do amor”, ele assume, enquanto encolhe os ombros e parece estar rezando pra conversa não continuar.

Tem jeito não, parceiro. Todo mundo já teve que se livrar do amor um dia.

É uma merda, eu sei.

Seca as lágrimas.

Isso.

Muita gente vai te dizer pra procurar a felicidade, que é passageiro, que isso e aquilo. Como se sua felicidade dependesse exclusivamente de ter um amor. Pois eu proclamo: que se dane o amor. Deixa ele pra lá. Pra ser feliz a gente só precisa viver, meu camarada. Tem aquele filme, né, o “Hurricane”. O cara tá preso numa cadeia, mas não conseguiram aprisionar a mente dele. Denzel Washington arrebenta, pra variar, interpretando o papel do pugilista preso injustamente. Mas ele tá lá pique Racionais, ‘vivão e vivendo’, lendo livros e libertando sua mente. Ele tava livre naquele lugar. Que filmaço. É a selva de pedra.

Acho, sinceramente, que se livrar do amor é um gesto corajoso. Já amei e sei do que tô falando. Só de lembrar já dá um aperto no peito, aquele sentimento frustrante de ter falhado e tal. É uma merda. Mas ter deixado isso pra trás foi importante pra coisas novas acontecerem e nem tô falando das outras desilusões amorosas que coleciono não. Tô falando de um sentimento suave que bate quando você percebe que teu coração tá livre. É um lance de leveza, tipo um mundo se abrindo pra você. Já sentiu essa parada?

O ‘estar só’ é importantíssimo pra valorizar uma boa companhia. E leia “companhia” como aquele teu chapa que joga dominó contigo na sombra do pé-de-manga. Aquela gata que te desestabiliza e de repente você se sente tão livre que não sente necessidade de chegar nela, pois acredite, ela quem vai chegar em você – e se não chegar, ela não sabe o que tá perdendo. Leia “companhia” como toda e qualquer pessoa que te faz sair do estado de inércia. Essas pessoas merecem o melhor de você e pra isso seu coração precisa estar em paz.

Só sei que pra se livrar do amor cada um procura um jeito. Há quem faça viagens. Há quem faça compras. Há quem arranje confusão na saída da boate porque é um frustrado desgraçado que não sabe lidar com os próprios problemas e precisa arrumar confusão. Há quem desabafe com os amigos. Com o padre. Com o pastor. Há quem comece a praticar esportes. E há inclusive quem prefira whisky.

Agora dá licença porque hoje vou me livrar do amor à minha maneira.

Sem gelo.