Magalhães

Havia começado a fazer a barba fazia pouco tempo, talvez um ano e meio, não mais que isso. Usava blusa pólo, como essa que visto agora, doze anos depois. Lembro do bigodinho ralé, da vontade e o medo de conquistar o mundo.

Copacabana, Avenida Figueiredo de Magalhães. Os anos dois mil ainda davam o ar da sua graça, mas o World Trade Center já não estava mais conosco. O Rio estava voltando a ser badalado como nos longínquos anos do pós-guerra na metade do século passado. Tinha um presidente barbudo assumindo, mas eu estava mais interessado na possibilidade de comprar quantas coxinhas pudesse com meus vencimentos.

Primeiro emprego.

Nunca passei fome, mas nunca fui no McDonalds. Minto, uma vez fui sim: teve a festinha do meu vizinho que tinha brinquedos legais mas a gente não brincava junto. Ano passado o reencontrei, veja só, num show do Hermeto Paschoal. E não é que eu tinha o nome na lista de convidados e o coloquei pra entrar comigo? Bon vivant.

Com algum dinheiro no bolso, experimentei meu primeiro Big Mac. E juntei grana pro meu primeiro computador, pro meu primeiro um tantão de coisas que parecia que eu havia acabado de chegar ao mundo. Minha nem tão distante São João de Meriti servia mesmo só pra dormir dali em diante.

Naquele pedacinho de Copacabana descobri que a tal praia não era cenografia. Pela primeira vez eu vi uma nota de dólar. E pela segunda também. Por falar em dólar, naquela área aconteceu meu primeiro contato com outros continentes: haviam pessoas falando engraçado no metrô, que até então terminava por ali na Figueiredo.

Magalhanze.

Não roubaram minha caixa de bombom, mas experimentei doses de esculacho no conta-gotas. E sentir que tudo aquilo, tão bonito, não era meu, definitivamente quebrou a firma. Comecei a perceber também como tinha tanta gente branca, tão diferentes das que eu estava acostumado a ver antes da Linha Vermelha. Eu me sentia numa selva, curioso com aqueles espécimes com cheiro de flores e cabelo liso. Eu não perdia meu tempo olhando pras loiras porque sabia que nenhuma ia olhar pra mim enquanto eu carregasse o semblante triste de quem cheira suvaco no Japeri lotado.

Não, peraí, sem pose. Eu não usava trem. Usava a famigerada Avenida Brasil e suas cracolândias na beira do mar.

Carro de polícia. Poxa, nunca vi tanto PM junto. Eu cresci a uns 900 metros de um batalhão mas nunca me senti tão seguro, apesar de nunca ter sentido tanto medo de ser roubado. Eu ainda não tinha dimensão do que era a Uruguaiana, então ficava impressionado quando os camelôs saíam correndo da Guarda Municipal.

As quatro pistas da Figueiredo faziam a minha Avenida Automóvel Clube parecer uma rua residencial. Os cachorros na coleira também eram uma grande novidade, já que na minha terra não era assim. Inclusive lembrei da Pretinha. Po, a Pretinha era parceirona da galera. Me levava pra escola todo dia com a galerinha que ia junta, sem supervisão adulta, estudar num colégio que atendia a vizinhança. E ela também levava meu pai até o ponto de ônibus, enfim, ela era uma boa companhia. A gente fazia um esquema de airbnb cedendo a calçada pra ela. Cada semana ela dormia em uma. A comida não faltava também.

Na periferia, parceiro, até o cachorro é comunitário.

Cresci achando que o mundo acabava em Parada de Lucas. Descobrir que eram reais aquelas coisas que eu só conhecia de fotos foi um soco no estômago. E eu sempre entendi que aquilo não era meu, que não me pertencia. Por mais que eu tenha trabalhado a vida inteira, até hoje ainda me sinto mais à vontade na Copacabana do lado da Venda Velha do que a Copa vizinha de Ipanema. Saudades da Venda Velha, muito rolê de bike no campo do Martins. Aquele papo de dinheiro e felicidade faz até sentido quando dou esse sorriso lembrando disso.

Hoje cedo passei por lá de novo, na tal Figueiredo de Magalhães tão copacabânica. O metrô agora vai até a Barra. Inclusive foi na Avenida Olegário Maciel, na Barra, que guardo um outro monte de memórias. Mas isso fica pra outro dia, porque já tô na Central.

Volto de trem ou pela seletiva?