Dança, Berenice

Ela só queria dançar com seu vestido de renda e cabelos flutuantes, mas os meninos do outro lado da rua armados com seus olhares lascivos não deixavam. O sonho de Berenice era sair por aí com seu fone de ouvido ligado no máximo, cantarolando e pulando. Muito mal podia ligar o som de casa e curtir seu barulhinho com as janelas abertas.

Meninos chatos!

Cresceu. E com o passar dos anos o seu sonho de menina deu lugar aos boletos, ao fogão novo e ao corte de cabelo curtinho que era pra espantar os moços de blusa pólo e seus assédios. Que nada. Trocou os chatos que ouviam sertanejo universitário pelos chatos que idolatravam Novos Baianos. E além deles, vieram também as meninas… Berê sempre achou as meninas mais legais que os meninos, até porque elas são mesmo, mas não era nesse sentido não. Faz parte.

Semana passada Berê finalmente saiu de casa. Foi-se embora, criou asas, arranjou emprego, essas coisas de gente adulta e chata. De uma certa forma venceu aqueles meninos do outro lado da rua, né. Ela finge que gosta dos Novos Baianos pra não ficar sem amigos, mas ela gosta mesmo é de Arrocha da Penha.

Pra comemorar a casa nova, chamou todo mundo pra uma festinha. “Open house?” perguntavam os cult bacaninhas do boteco da rua da frente. Ela mesma escolheu as músicas e chocou todo mundo com seu gosto peculiar escondido sob aquele vestidinho de renda. O povo esperava David Bowie, Sonic Youth, talvez uns Franz Ferdinand. Mas lá foi ela, influenciada pelo podcast da Nova Holanda, tocar as últimas novidades da favela carioca. Ninguém telefonou no dia seguinte, ninguém quis ficar até tarde e a festa não foi assunto no Facebook.

Berê só tem 19 anos e não sabe se ainda tem amigos.